Este espetáculo foi produzido enquanto o Presidente Bush dizia em entrevista, no início de 2007, “encorajo todos vocês a fazerem compras” incitando à prosperidade mundial com o capitalismo do consumo. Ter por objeto um assunto atual e entranhado em nossas vidas não foi uma tarefa que se resolveu com soluções estéticas. Além do que estava circunscrito ao processo artístico de criação confrontamo-nos com uma questão moral.
Martin Page nos instigou a refletir sobre como ser feliz tendo consciência de nossa condição de consumidores ávidos, pois temos que convir que não há como negar a nossa derrota mediante as armadilhas de um bom marketing. Afinal num mundo com tantas possibilidades e ofertas tudo tem seu preço. Não quer dizer que não desenvolvemos formas de resistência para escapar do consumo imperativo, mas quando entendemos que é assim que o mundo funciona só então procuramos alternativas para manter a nossa autonomia e liberdade de escolha. Enquanto isso se restringir ao tema “comprar ou não” trata-se, no mínimo, de uma questão de competência. Mais para além dessa infindável discussão está claro que é preciso pensar sobre isto: na desigualdade profunda que faz com que certos homens sejam privados não só da realização de desejos de consumo, mas principalmente do acesso aos cuidados médicos e melhores medicamentos, aos bons alimentos e às boas escolas.
Revelando-se assim, um exercício crítico de nossa própria realidade, o espetáculo foi concebido em torno de um eixo – o do jovem Antoine -, cuja existência inadequada e mesmo assim singular, aponta para as contradições da vida contemporânea. Nesse terreno inóspito para a sensibilidade do personagem, perdido no mundo racional e midiático é que compartilhamos com o autor ao questionar, com humor cáustico, se o homem ainda é a medida de todas as coisas. O humor, muitas vezes visto como um gênero menor mostra-se como uma abertura para a valorização das subjetividades que escapam a “serialização”.
Assim como o autor conduz seu personagem através de uma divertida e nonsense busca pela adequação social, o espetáculo encontra uma forma para contar a história que pode perturbar o espectador por não ser igual à realidade. Foi com a intenção de criar uma comunicação viva e performática com o espectador é que quisemos construir a história com uma percepção tridimensional. Assim, os atores se revezam representando cada um de uma vez, as escaladas da investida de Antoine em direção à estupidez. Cada tentativa é uma tensão emocional a mais que o desempenho dos atores incorpora à vida do personagem. É como se os atores quisessem juntar os pedaços de Antoine e encontrar um sentido para a sua existência. O que se propõe é um jogo de alteridades com as diferentes vozes e máscaras sociais que o personagem, em alternância, tira e põe.
O resultado aqui exposto representa uma organização de todo o experimento com os elementos teatrais inspirados pelo romance, e torna presente a composição criteriosa surgida a partir das respostas cênicas dos atores. E porque não dizer o mesmo da criação das músicas, dos vídeos, do cenário, do figurino e da luz já que neste modo singular de fazer teatro enfatiza-se o que ocorre no interior de cada criador. Nesta etapa de finalização do espetáculo, embora ele mantenha o seu caráter de contínua transformação, os criadores deixam sua marca como um vestígio do trabalho em conjunto.
Neste sentido, a montagem teatral passa a ser uma impressão do lugar e do tempo em que compartilhamos copos, almofadas, cafés, pizzas com as idéias ou a falta delas, com as dúvidas e as soluções, como se tudo tivesse a mesma importância, ou seja, a importância não só de criar mas de materializar um conjunto de discursos para aqueles que agora assistem e constituem os próprios discursos.
Beth Lopes
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